sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Advento no Catecismo Católico

A seleção de alguns textos do Catecismo da Igreja Católica pode nos ajudar a meditar, refletir e a se colocar na atitude de espera. Não de qualquer espera, mas daquela iluminada pela fé e pelo amor, de quem sabe a quem aguarda. Mesmo sem o saber, a humanidade toda está a espera de uma felicidade sem fim, e do fim de toda dor e sofrimento. Para nós este sentido último da vida tem nome e é uma pessoa: Jesus Cristo, o filho de Deus. A vida toda é advento, porque no tempo de cada um o Cristo vem nos salvar. (o número da margem refere-se ao texto do catecismo)

• A preparação para a vinda de Cristo

522. A vinda do Filho de Deus à terra é um acontecimento de tal imensidão que Deus quis prepará-lo durante séculos. Ritos e sacrifícios, figuras e símbolos da “Primeira Aliança”, tudo ele faz convergir para Cristo; anuncia-o pela boca dos profetas que se sucedem em Israel. Desperta, além disso, no coração dos pagãos a obscura expectativa desta vinda.

• João Batista prepara o caminho

523. São João Batista é o precursor imediato do Senhor, enviado para preparar-lhe o Caminho . “Profeta do Altíssimo” (Lc 1,76), ele supera todos os profetas, deles é o último , inaugura o Evangelho ; saúda a vinda de Cristo desde o seio de sua mãe e encontra sua alegria em ser “o amigo do esposo” (Jo 3,29), que designa como o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29). Precedendo a Jesus “com o espírito e o poder de Elias” (Lc 1,17), dá-lhe testemunho por sua pregação, seu batismo de conversão e, finalmente, seu martírio .

• A primeira e a segunda vinda de Cristo

524. Ao celebrar cada ano a liturgia do Advento, a Igreja atualiza esta espera do Messias: comungando com a longa preparação da primeira vinda do Salvador, os fiéis renovam o ardente desejo de sua Segunda Vinda . Pela celebração da natividade e do martírio do Precursor, a Igreja se une a seu desejo: “É preciso que Ele cresça e que eu diminua” (Jo 3,30).

• Tempo de expectativa, de luta e de vigília

672. Cristo afirmou antes de sua Ascensão que ainda não chegara a hora do estabelecimento glorioso do Reino messiânico esperado por Israel , que deveria trazer a todos os homens, segundo os profetas , a ordem definitiva da justiça, do amor e da paz. O tempo presente é, segundo o Senhor, o tempo do Espírito e do testemunho , mas é também um tempo ainda marcado pela “tristeza” e pela provação do mal , que não poupa a Igreja e inaugura os combates dos últimos dias . E um tempo de expectativa e de vigília .
673. A partir da Ascensão, o advento de Cristo na glória é iminente , embora não nos “caiba conhecer os tempos e os momentos que o Pai fixou com sua própria autoridade” (At 1,7) . Este acontecimento escatológico pode ocorrer a qualquer momento , ainda que estejam “retidos” tanto ele como a provação final que há de precedê-lo .

• Tempo de reconhecer o Cristo na história

674. A vinda do Messias glorioso depende a todo momento da história do reconhecimento dele por “todo Israel” . Uma parte desse Israel se “endureceu” (Rm 11,25) na “incredulidade” (Rm 11,20) para com Jesus. S. Pedro o afirma aos judeus de Jerusalém depois de Pentecostes: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, a fim de que sejam apagados os vossos pecados e deste modo venham da face do Senhor os tempos de refrigério. Então enviará ele o Cristo que vos foi destinado, Jesus, a quem o céu deve acolher até os tempos da restauração de todas as coisas, das quais Deus falou pela boca de seus santos profetas” (At 3,19-21). E S. Paulo lhe faz eco: “Se a rejeição deles resultou na reconciliação do mundo, o que será o acolhimento deles senão a vida que vem dos mortos?” A entrada da “plenitude dos judeus” na salvação messiânica, depois da “plenitude dos pagãos” , dará ao Povo de Deus a possibilidade de “realizar a plenitude de Cristo” (Ef 4,13), na qual “Deus será tudo em todos” (1Cor 15,28).

• Esperar a quem se conhece e em quem se crê

840. De resto, quando se considera o futuro, o povo de deus da Antiga Aliança e o novo Povo de Deus tendem para fins análogos: a espera da vinda ( ou da volta) do Messias. Mas o que se espera é, do lado dos cristãos, a volta do Messias, morto e ressuscitado, reconhecido como Senhor e Filho de Deus, e do lado dos hebreus, a vinda do Messias – cujos traços permanecem encobertos —, no fim dos tempos, espera esta acompanhada do drama da ignorância ou do desconhecimento de Cristo Jesus.

• O sofrimento e a glória na espera da segunda vinda

556. No limiar da vida pública, o Batismo; no limiar da Páscoa, a Transfiguração. Pelo Batismo de Jesus “declaratum fuit mysterium primae regenerationis – foi manifestado o mistério da primeira regeneração”: o nosso Batismo; a Transfiguração “est sacramentum secundae regenerationis – é o sacramento da segunda regeneração”: a nossa própria ressurreição . Desde já participamos da Ressurreição do Senhor pelo Espírito Santo que age nos sacramentos do Corpo de Cristo. A Transfiguração dá-nos um antegozo da vinda gloriosa do Cristo, “que transfigurará nosso corpo humilhado, conformando-o ao seu corpo glorioso” (Fl 3,21). Mas ela nos lembra também “que é preciso passarmos por muitas tribulações para entrarmos no Reino de Deus” (At 14,22): Pedro ainda não tinha compreendido isso ao desejar viver com Cristo sobre a montanha . Ele reservou-te isto, Pedro, para depois da morte. Mas agora Ele mesmo diz: Desce para sofrer na terra, para servir na terra, para ser desprezado, crucificado na terra. A Vida desce para fazer-te matar; o Pão desce para ter fome; o Caminho desce para cansar-se da caminhada; a Fonte desce para ter sede; e tu recusas sofrer?

• O Pai-nosso e a Eucaristia: a oração do tempo de paciência e de espera

2771 - Na Eucaristia, a Oração do Senhor manifesta também o caráter escatológico de seus pedidos. É a oração própria dos “últimos tempos”, dos tempos da salvação que começaram com a efusão do Espírito Santo e que terminarão com a Volta do Senhor. Os pedidos ao nosso Pai, ao contrário das orações da Antiga Aliança, apóiam-se sobre o mistério da salvação já realizada, uma vez por todas, em Cristo crucificado e ressuscitado.
2772 - Desta fé inabalável brota a esperança que anima cada um dos sete pedidos. Estes exprimem os gemidos do tempo presente, este tempo de paciência e de espera durante o qual “ainda não se manifestou o que nós seremos” (1Jo 3,2) . A Eucaristia e o Pai-Nosso apontam para a vinda do Senhor, “até que Ele venha” (1Cor 11,26).

• “Marana Tha”, apressa, Senhor, a vinda do seu Reino!

2816 - No Novo Testamento o mesmo termo “Basiléia” pode ser traduzido por realeza (nome abstrato), reino (nome concreto) ou reinado (nome de ação). O Reino de Deus existe antes de nós. Aproximou-se no Verbo encarnado, é anunciado ao longo de todo o Evangelho, veio na morte e na Ressurreição de Cristo. O Reino de Deus vem desde a santa Ceia e na Eucaristia: ele está no meio de nós. O Reino virá na glória quando Cristo o restituir a seu Pai: O Reino de Deus pode até significar o Cristo em pessoa, a quem invocamos com nossas súplicas todos os dias e cuja vinda queremos apressar por nossa espera. Assim como Ele é nossa Ressurreição, pois nele nós ressuscitamos, assim também pode ser o Reino de Deus, pois nele nós reinaremos .
2817 - Este pedido é o “Marana Tha”, o grito do Espírito e da Esposa: “Vem, Senhor Jesus”! Mesmo que esta oração não nos tivesse imposto um dever de pedir a vinda deste Reino, nós mesmos, por nossa iniciativa, teríamos soltado este grito, apressando-nos a ir abraçar nossas esperanças. As almas dos mártires, sob o altar, invocam o Senhor com grandes gritos: “Até quando, Senhor, tardarás a pedir contas de nosso sangue aos habitantes da terra?” (Ap 6,10). Eles devem, com efeito, obter justiça no fim dos tempos. Senhor, apressa portanto a vinda de teu reinado .

• No retorno de Cristo, a libertação de todo o mal

2853 - A vitória sobre o “príncipe deste mundo” foi alcançada, de uma vez por todas, na Hora em que Jesus se entregou livremente à morte para nos dar sua vida. É o julgamento deste mundo, e o príncipe deste mundo é “lançado fora” , “Ele põe-se a perseguir a Mulher” , mas não tem poder sobre ela: a nova Eva, “cheia de graça” por obra do Espírito Santo, é preservada do pecado e da corrupção da morte (Imaculada Conceição e Assunção da Santíssima Mãe de Deus, Maria, sempre virgem). “Enfurecido por causa da Mulher, o Dragão foi então guerrear contra o resto de seus descendentes” (Ap 12,17). Por isso o Espírito e a Igreja rezam: “Vem, Senhor Jesus” (Ap 22,17.20), porque a sua Vinda nos livrará do Maligno.
2854 - Ao pedir que nos livre do Maligno, pedimos igualmente que sejamos libertados de todos os males, presentes, passados e futuros, dos quais ele é autor ou instigador. Neste último pedido, a Igreja traz toda a miséria do mundo diante do Pai. Com a libertação dos males que oprimem a humanidade, ela implora o dom precioso da paz e a graça de esperar perseverantemente o retorno de Cristo. Rezando dessa forma, ela antecipa, na humildade da fé, a recapitulação de todos e de tudo naquele que “detém as chaves da Morte e do Hades” (Ap 1,18), “o Todo-poderoso, Aquele que é, Aquele que era e Aquele que vem” (Ap 1,8) : Livrai-nos de todos os males, ó Pai, e dai-nos hoje a vossa paz. Ajudados por vossa misericórdia, sejamos sempre livres do pecado e protegidos de todos os perigos, enquanto, vivendo a esperança, aguardamos a vinda do Cristo Salvador .

• Maria, a obediência da fé

148. A Virgem Maria realiza da maneira mais perfeita a obediência da fé. Na fé, Maria acolheu o anúncio e a promessa trazida pelo anjo Gabriel, acreditando que “nada é impossível a Deus” (Lc 1,37) e dando seu assentimento: ”Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Isabel a saudou: “Bem-aventurada a que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido” (Lc 1,45). É em virtude desta fé que todas as gerações a proclamarão bem-aventurada .
149. Durante toda a sua vida e até sua última provação , quando Jesus, seu filho, morreu na cruz, sua fé não vacilou. Maria não deixou de crer “no cumprimento” da Palavra de Deus. Por isso a Igreja venera em Maria a realização mais pura da fé.

• “Nada é impossível a Deus”

494. Ao anúncio de que, sem conhecer homem algum, ela conceberia o Filho do Altíssimo pela virtude do Espírito Santo , Maria respondeu com a “obediência da fé”, certa de que “nada é impossível a Deus”: “Eu sou a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,37-38). Assim, dando à Palavra de Deus o seu consentimento, Maria se tornou Mãe de Jesus e, abraçando de todo o coração, sem que nenhum pecado a retivesse, a vontade divina da salvação, entregou-se ela mesma totalmente à pessoa e à obra de seu Filho, para servir, na dependência dele e com Ele, pela graça de Deus, ao Mistério da Redenção . Como diz Sto. Irineu, “obedecendo, se fez causa de salvação tanto para si como para todo o género humano”. Do mesmo modo, não poucos antigos Padres dizem com ele: “O nó da desobediência de Eva foi desfeito pela obediência de Maria; o que a virgem Eva ligou pela incredulidade a virgem Maria desligou pela fé”. Comparando Maria com Eva, chamam Maria de “mãe dos viventes” e com frequência afirmam: “Veio a morte por Eva e a vida por Maria”.
in http://www.franciscanos.org.br/?p=28315

O que a vaca e o burro (dentro ou fora) do presépio dizem sobre a espiritualidade contemporânea

Surpreende o facto de que em certos meios de comunicação o conteúdo central do livro de Bento XVI, A infância de Jesus, foi posto em segundo plano em relação à questão da presença ou não do boi e do burro na gruta de Belém. Desviando a atenção do ponto focal da obra que, como o próprio Papa sublinhou, não é um ato de ensinamento pontifício, mas a expressão da sua pesquisa pessoal e teológica sobre o rosto do Senhor.
Talvez, além do aspeto anedótico, a confusão mediática seja um sinal da secularização e da desertificação espiritual que Bento XVI identifica como o problema principal que a Igreja deve enfrentar no nosso tempo. E um dos sintomas mais dolorosos é a marginalização silenciosa e transversal de Deus da vida pessoal e pública.
Afirma-o também o arcebispo e teólogo espanhol Fernando Sebastián na sua última obra La fe que nos salva, quando afirma que «o problema número um da Igreja de hoje consiste em ajudar as pessoas a crer». Com efeito, na sua opinião, «ontem o ateísmo subsistia na mente de alguns filósofos. Hoje, temo-lo em casa, nos primos, nos sobrinhos e nos vizinhos. O ateísmo envolve todos nós, e o viver como se Deus não existisse tornou-se uma espécie de ateísmo por omissão». Remediar a esta situação e voltar a pôr Deus no centro é o que Bento XVI está a fazer.
Para o Papa, este compromisso é necessário também na Igreja, porque «o desafio de uma mentalidade fechada ao transcendente — disse a 25 de novembro de 2011 — obriga também os próprios cristãos a voltar de modo mais decidido à centralidade de Deus (…) Por isso, não menos urgente é propor de novo a questão de Deus, inclusive no próprio tecido eclesial».
A este compromisso de voltar a Deus, Bento XVI dedica há mais de um mês as suas catequeses de quarta-feira. Como aconteceu no passado, nas lições de teologia que o professor Joseph Ratzinger dava aos estudantes universitários de Tübingen — reunidas há mais de quarenta anos no volume Einführung in das Christentum («Introdução ao Cristianismo» — assim no atual ciclo de catequeses o Papa explicou que a «fé não é simples assentimento intelectual do homem a verdades particulares sobre Deus; é um gesto mediante o qual me confio livremente a um Deus que é Pai e que me ama; é adesão a um “Tu” que me dá esperança e confiança. Sem dúvida, esta adesão a Deus não está isenta de conteúdos: com ela estamos conscientes de que o próprio Deus nos é indicado em Cristo, mostrou o seu rosto e fez-se realmente próximo de cada um de nós» (24 de outubro de 2012).
Esta é a proposta fundamental do Ano da Fé, que o Pontífice proclamou para reavivar na Igreja a alegria de crer através da recuperação do primado de Deus, pois «se Deus perder a centralidade, o homem perde o seu justo lugar, e não encontra mais a sua colocação na criação, nas relações com os outros» (14 de novembro de 2012). Sem Deus, tudo de volta contra o homem.
Por sua vez o homem, que Bento XVI define «mendigo de Deus», traz em si mesmo «um desejo misterioso de Deus» (7 de novembro de 2012), que não pode permanecer uma paixão inútil, mas deve transformar-se num anseio profundo, alimentado pelas alegrias autênticas e pelo desejo de plenitude.
Sem dúvida, a resposta do homem é essencialmente resposta a Deus: mas, também e precisamente por isso, é resposta aos outros, através da obra de evangelização, que por sua vez é comunicação com Deus. «Falar de Deus — recorda o Papa — é comunicar, com força e simplicidade, com a palavra e a vida, aquilo que é essencial: o Deus de Jesus Cristo, aquele Deus que nos mostrou um amor tão grande, a ponto de se encarnar, morrer e ressuscitar por nós; aquele Deus que pede para O seguir e para se deixar transformar pelo seu amor imenso, para renovar a nossa vida e os nossos relacionamentos; aquele Deus que nos concedeu a Igreja, para caminharmos juntos e, através da Palavra e dos Sacramentos, renovarmos toda a Cidade dos homens, a fim de que ela possa tornar-se Cidade de Deus» (28 de novembro de 2012).
As de Bento XVI são catequeses do essencial, para conduzir a Deus os homens e as mulheres do nosso tempo.

José María Gil Tamayo
Título original: O meu vizinho ateu
In L'Osservatore Romano, 30.11.2012

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Ano da Fé - Introdução (Audiência Geral de Bento XVI)



PAPA BENTO XVI | AUDIÊNCIA GERAL
Praça de São Pedro, Quarta-feira, 17 de Outubro de 2012
Queridos irmãos e irmãs, 
hoje gostaria de introduzir o novo ciclo de catequeses, que se desenvolve ao longo de todo o Ano da fé, recém-iniciado, e que interrompe, durante este período, o ciclo dedicado à escola da oração. Mediante a Carta Apostólica Porta Fidei proclamei este Ano especial, precisamente para que a Igreja renove o entusiasmo de crer em Jesus Cristo, único Salvador do mundo, reavive a alegria de percorrer o caminho que nos indicou e testemunhe de modo concreto a força transformadora da fé.
A celebração do cinquentenário da inauguração do Concílio Vaticano II é uma ocasião importante para voltar para Deus, a fim de aprofundar e viver com maior coragem a própria fé, para fortalecer a pertença à Igreja, «mestra em humanidade» que, através do anúncio da Palavra, da celebração dos Sacramentos e das obras de caridade, nos orienta para encontrar e conhecer Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Trata-se do encontro não com uma ideia, nem com um projeto de vida, mas com uma Pessoa viva que nos transforma em profundidade a nós mesmos, revelando-nos a nossa verdadeira identidade de filhos de Deus. O encontro com Cristo renova os nossos relacionamentos humanos, orientando-os no dia-a-dia para uma maior solidariedade e fraternidade, na lógica do amor. Ter fé no Senhor não é algo que interessa unicamente à nossa inteligência, ao campo do saber intelectual, mas é uma mudança que compromete a vida, a totalidade do nosso ser: sentimento, coração, inteligência, vontade, corporeidade, emoções e relacionamentos humanos. Com a fé muda verdadeiramente tudo em nós e para nós, e revela-se com clareza o nosso destino futuro, a verdade da nossa vocação no interior da história, o sentido da vida, o gosto de sermos peregrinos rumo à Pátria celeste.
Mas perguntemo-nos: a fé é verdadeiramente a força transformadora da nossa vida, na minha vida? Ou então é apenas um dos elementos que fazem parte da existência, sem ser aquele determinante, que a abrange totalmente? Com as catequeses deste Ano da fé gostaríamos de percorrer um caminho para fortalecer ou reencontrar a alegria da fé, compreendendo que ela não é algo de alheio, separado da vida concreta, mas é a sua alma. A fé num Deus que é amor, e que se fez próximo do homem, encarnando e doando-se a si mesmo na cruz para nos salvar e reabrir as portas do Céu, indica de modo luminoso que a plenitude do homem consiste unicamente no amor. Hoje é necessário reiterá-lo com clareza, enquanto as transformações culturais em curso mostram com frequência tantas formas de barbárie, que passam sob o sinal de «conquistas de civilização»: a fé afirma que não há humanidade autêntica, a não ser nos lugares, nos gestos, nos tempos e nas formas como o homem é animado pelo amor que vem de Deus, se expressa como dom, se manifesta em relações ricas de amor, de compaixão, de atenção e de serviço abnegado ao próximo. Onde existe domínio, posse, exploração, mercantilização do outro por egoísmo próprio, onde há arrogância do eu, fechado em si mesmo, o homem torna-se pobre, degradado, desfigurado. A fé cristã, laboriosa na caridade e forte na esperança, não limita mas humaniza a vida, aliás, torna-a plenamente humana.
A fé é o acolhimento desta mensagem transformadora na nossa vida, o acolhimento da revelação de Deus, que nos faz conhecer quem Ele é, como age, quais são os seus desígnios para nós. Sem dúvida, o mistério de Deus permanece sempre além dos nossos conceitos e da nossa razão, dos nossos ritos e das nossas preces. Todavia, com a revelação é o próprio Deus quem se autocomunica, se descreve, se torna acessível. E nós tornamo-nos capazes de ouvir a sua Palavra e de receber a sua verdade. Eis, pois, a maravilha da fé: Deus, no seu amor, cria em nós - através da obra do Espírito Santo - as condições adequadas para que possamos reconhecer a sua Palavra. O próprio Deus, na sua vontade de se manifestar, de entrar em contacto connosco, de se fazer presente na nossa história, torna-nos capazes de o ouvir e acolher. São Paulo exprime-o assim, com alegria e reconhecimento: «Nós não cessamos de dar graças a Deus, porque recebestes a palavra de Deus, que de nós ouvistes, e porque a acolhestes não como palavra de homens, mas como aquilo que realmente é, palavra de Deus, que age eficazmente em vós, fiéis» (1 Ts 2, 13).
Deus revelou-se mediante palavras e obras em toda uma longa história de amizade com o homem, que culmina na Encarnação do Filho de Deus e no seu Mistério de Morte e Ressurreição. Deus não só se revelou na história de um povo, nem falou só por meio dos Profetas, mas atravessou o seu Céu para entrar na terra dos homens como homem, para que pudéssemos encontrá-lo e ouvi-lo. E de Jerusalém o anúncio do Evangelho da salvação propagou-se até aos confins da terra. A Igreja, nascida do lado de Cristo, tornou-se portadora de uma esperança nova e sólida: Jesus de Nazaré, crucificado e ressuscitado, Salvador do mundo, que está sentado à direita do Pai e é Juiz dos vivos e dos mortos. Este é o kerigma, o anúncio central e impetuoso da fé. Mas desde o início levantou o problema da «regra da fé», ou seja, da fidelidade dos crentes à verdade do Evangelho, na qual permanecer firmes, à verdade salvífica sobre Deus e sobre o homem, que se deve conservar e transmitir. São Paulo escreve: «Recebereis a salvação, se o mantiverdes [o Evangelho] como vo-lo anunciei. Caso contrário, em vão teríeis abraçado a fé»(1 Cor 15, 2).
Mas onde encontramos a fórmula essencial da fé? Onde encontramos as verdades que nos foram fielmente transmitidas e que constituem a luz para a nossa vida diária? A resposta é simples: no Credo, na Profissão de Fé, ou Símbolo da Fé, nós relacionamo-nos com o acontecimento originário da Pessoa e da História de Jesus de Nazaré; torna-se concreto quanto o Apóstolo das nações dizia aos cristãos de Corinto: «Transmiti-vos primeiramente o que eu mesmo tinha recebido: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia» (1 Cor 15, 3-4).
Ainda hoje temos necessidade que o Credo seja melhor conhecido, compreendido e pregado. Sobretudo, é importante que o Credo seja, por assim dizer, «reconhecido». Com efeito, conhecer poderia ser algo simplesmente intelectual, enquanto «reconhecer» quer significar a necessidade de descobrir o vínculo profundo entre as verdades que professamos no Credo e a nossa existência quotidiana, para que estas verdades sejam deveras e concretamente - como sempre foram - luz para os passos do nosso viver, água que rega a aridez do nosso caminho, vida que vence certos desertos da vida contemporânea. No Credo insere-se a vida moral do cristão, que nele encontra o seu fundamento e a sua justificação.
Não é por acaso que o Beato João Paulo II quis que o Catecismo da Igreja Católica, norma segura para o ensinamento da fé e fonte certa para uma catequese renovada, se inspirasse no Credo. Tratava-se de confirmar e conservar este núcleo fulcral das verdades da fé, comunicando-o numa linguagem mais inteligível aos homens do nosso tempo, a nós. É um dever da Igreja transmitir a fé, comunicar o Evangelho, a fim de que as verdades cristãs sejam luz das novas transformações culturais, e os cristãos se tornem capazes de explicar a razão da sua esperança (cf. 1 Pd 3, 14). Hoje, vivemos numa sociedade profundamente transformada, também em relação a um passado recente, e em movimento contínuo. Os processos da secularização e de uma difundida mentalidade niilista, em que tudo é relativo, marcaram profundamente a mentalidade comum. Assim, a vida é muitas vezes levada com superficialidade, sem ideais claros nem esperanças sólidas, no contexto de vínculos sociais e familiares fluidos, provisórios. Sobretudo as novas gerações não são educadas para a busca da verdade e do sentido profundo da existência, que ultrapasse o contingente, para a estabilidade dos afetos, para a confiança. Ao contrário, o relativismo leva a não ter pontos firmes, suspeita e volubilidade provocam ruturas nos relacionamentos humanos, enquanto a vida é vivida com experiências que duram pouco, sem assunção de responsabilidade. Se o individualismo e o relativismo parecem dominar o espírito de muitos contemporâneos, não se pode dizer que os crentes permanecem totalmente imunes a estes perigos, que devemos enfrentar na transmissão da fé. A sondagem realizada em todos os Continentes, em vista da celebração do Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização, evidenciou alguns: uma fé vivida de modo passivo e privado, a rejeição da educação para a fé, a rutura entre vida e fé.
Muitas vezes o cristão não conhece nem sequer o núcleo central da própria fé católica, do Credo, de modo a deixar espaço a um certo sincretismo e relativismo religioso, sem clareza sobre as verdades nas quais crer e sobre a singularidade salvífica do cristianismo. Hoje não está muito distante o risco de construir, por assim dizer, uma religião personalizada. Ao contrário, temos que voltar para Deus, para o Deus de Jesus Cristo, temos que redescobrir a mensagem do Evangelho, fazê-lo entrar de modo mais profundo nas nossas consciências e na vida quotidiana.
Nas catequeses deste Ano da fé gostaria de oferecer uma ajuda para percorrer este caminho, para retomar e aprofundar as verdades centrais da fé sobre Deus, o homem, a Igreja e toda a realidade social e cósmica, meditando e ponderando sobre as afirmações do Credo. E gostaria que fosse clara que estes conteúdos ou verdades da fé (fides quae) se relacionam diretamente com a nossa vida; exigem uma conversão da existência, que dá vida a um novo modo de crer em Deus (fides qua). Conhecer Deus, encontrá-lo, aprofundar os traços da sua Face põe em jogo a nossa vida, pois Ele entra nos dinamismos profundos do ser humano.
Possa o caminho que percorreremos este Ano fazer-nos crescer todos na fé e no amor a Cristo, para que aprendamos a viver, nas opções e gestos quotidianos, a vida boa e bela do Evangelho. Obrigado!

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

EDUCAÇÃO NA FÉ?

Sendo a fé um dom, como pode ser motivo de educação? Não pode realmente ser ensinada, mas sim irradiada. Os que a possuem podem significar a estrela-guia, a perseverança num encontro difícil de suceder, mas cuja esperança comove todo o nosso ser. É possível que a Igreja se volte para esse apostolado da fé que foi extremamente importante no seu começo. Não o velho sistema de grupos sectários que são o modelo dos processos políticos e que, quando se afirma um movimento e este toma amplitude, se eliminam.
Não é isso.Trata-se de focos de comunicação que dispensam a organização premeditada e até a linguagem elaborada, o discurso piedoso e a erudição duma exegese. Um interessar a alma na fé sem recorrer ao preconceito da santidade. Descobrir a imensa novidade da fé num mundo em que o próprio cristão vive de maneira pagã e singularmente a coberto dos antigos textos que esqueceu ou que desconhece completamente.
A prova de que o cristão vive como um bárbaro é o sentido que tomou a arte religiosa. Não é raro encontrar nas salas de convívio burguesas, juntamente com a televisão, ou a mesa de jogo, ou a instalação estereofónica para o gira-disco, um Cristo crucificado sobre a lareira, ou uma Virgem dourada em cima da cómoda de vinhático; ou objectos do culto, espalhados numa intenção decorativa, quando não um quadrinho de ex-voto que se foi buscar a uma capela remota ou à loja de um antiquário.
E depois essas mesmas pessoas, ao abrigo duma cultura sentimental, promovem toda uma campanha contra a modificação dos ritos, e censuram os prelados que caminham no sentido de não objectivar Deus e de não o integrar na platitude da imaginação humana. Deus significa luz; ser filho de Deus é, pois, ter origem na luz. Esta é uma metáfora que utilizavam os essénios do Qumran. Designa uma energia interior que ultrapassa a experiência da pessoa e o conceito de pessoa.
Não é fácil, para uma sociedade humana estreitamente ligada a uma objectivação de Deus que o mostra com uma consciência semelhante à nossa e que envolve todos os nossos articulados de vida, não é fácil, repito, desprender-se duma espécie de Deus nacional e tribal; como de resto a Bíblia o representa; como o criador dum mundo limitado em comparação com o que conhecemos hoje. Um príncipe, promulgador de decretos e que prometia como recompensa da obediência um lugar à sua direita, como se prometia aos áulicos deste mundo.
Cem anos depois da morte de Jesus, surgiu no Ocidente a ideia de Cristo como filho de Deus, concreta manifestação de Deus. Mas S. Paulo evitou sempre confundir Cristo com o Deus Único; a sua forte convicção monoteísta impedia-o de admitir uma incarnação de Deus. De certa maneira, o cristão da actualidade encontra-se nessa mesma posição. Ele sabe que há muito de idolatria numa explicação objectiva de Deus. Idolatria a que chamamos às vezes ciência, ou história, ou progresso, mas que não satisfaz a fé na nossa luz interior. A educação da fé tende a ser a descoberta dessa energia interior agora em vias de se desembaraçar dos velhos detritos mágico-religiosos que eram o suporte de aspirações e de desejos quase sempre inscritos no nosso quotidiano.

Agustina Bessa-Luís, in “Contemplação Carinhosa da Angústia”

Escrito a 20 de Novembro de 2012 por
in http://www.patiodosgentios.com

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Partilha da fé: as primeiras questões

O primeiro encontro para colocarmos as nossas questões e interrogações sobre a fé está mesmo a começar...

Brufe: no dia 20, às 21h15 na Igreja. 
Cavalões: no dia 22, às 21h15, na residência paroquial.
Santo Adrião: no dia 28, às 21h30, no Centro Pastoral

Se ainda não tiveste oportunidade para colocares as tuas inquietações de fé, apresenta-as aqui. Faz os teus comentários. 
Sempre podes falar com os teus conhecidos e amigos e apresentar-lhes este espaço para a partilha da fé.
Entra nesta porta, sempre aberta para ti...



Recordo aqui a dinâmica:



"A PORTA DA FÉ (cf. Act 14, 27), […] está sempre aberta para nós. Atravessar esta porta implica embrenhar-se num caminho que dura a vida inteira." (Porta Fidei, 1)

Queres atravessar esta porta?
Ela está aberta!
Tens dúvidas?
Há coisas que não compreendes?
Então, atreve-te a entrar por esta PORTA ABERTA.
O que vais encontrar?
Não sabemos! Sabemos, apenas, que estamos contigo, no mesmo percurso!

O que é o PORTA ABERTA?
O PORTA ABERTA pretende ser um ponto de encontro para a partilha dos nossos porquês. Na verdade, todos temos inquietações, dúvidas, incertezas. Todos nos interrogamos. Todos passamos por momentos de falta ou crise de fé. Todos procuramos um sentido original para a vida. Todos cremos. Mas como cremos e em que cremos ou em quem acreditamos?
O PORTA ABERTA quer ajudar-te a fazer caminho de fé, de confiança, a embrenhares-te na aventura cristã, sem medo, sem receios, mas com a alegria de crer. Não te daremos soluções para tudo. Queremos apenas caminhar contigo.

O que levamos no caminho?
A CONFIANÇA. É esta que nos permite avançar e entrar nesta porta. Simplesmente, como Paulo, afirmamos "Eu sei em quem pus a minha confiança!" (2Tm 1, 12).

Como o pretendemos fazer?
"Trazemos, porém, este tesouro em vasos de barro…" (II Cor 4,7-15). A fé que professamos é um tesouro, carregado nos nossos frágeis corações, mas cheios de confiança. Por isso, na Igreja, colocaremos um vaso de barro. É aí que, ao longo do ano, poderás colocar todas as tuas questões (fé, Igreja, Catecismo, Cristo, Deus, Bíblia…). Depois, convocaremos todos para um encontro mensal, onde, a partir das vossas interrogações, procuraremos, contigo e com outros, de forma organizada, fazer caminho de encontro à proposta cristã.
Em cada mês, e para ajudar à participação, daremos um marcador com o tema indicativo para o respetivo encontro.

Não podes vir?
Entra no Facebook: www.facebook.com/ParoquiaStoAdriaoVilaNovaDeFamalicao. 
Deixa aqui as tuas interrogações, partilha as tuas dúvidas... Assim, poderemos chegar mais longe e levar a partilha e a reflexão a outros que não podem estar presentes no PORTA ABERTA.

domingo, 18 de novembro de 2012

A fé ensina a viver melhor?

...cada vez estamos mais distantes da fonte, do original, do acontecimento, porque vivemos na novela dos comentários e das interpretações.

A fé, manifestada em Jesus, ensina-nos a viver neste mundo. O nosso ponto de partida pode ser a passagem da Carta a Tito (Tt 2, 12), onde se diz a propósito de Jesus: “a graça de Deus, fonte de salvação, manifestou-se a todos os homens, ensinando-nos a viver neste mundo”.  Esta frase é um desafio, antes de tudo, a tomarmos a sério a humanidade de Jesus como narrativa de Deus e do Homem. Nessa humanidade temos o caminho, a verdade e a vida.
Hoje sentimos a necessidade muito grande de uma fé orientada para a vida. De uma fé que possa constituir uma arte de viver, um laboratório para uma existência autêntica e não apenas para a manutenção de um conjunto de práticas fragmentárias. E precisamos reencontrar ou reinventar, a partir da fé, uma gramática do humano. A fé é um exercício muito concreto de confiança na narrativa de Deus que Jesus nos relata com a sua própria vida, com o seu próprio corpo, os seus gestos, o seu silêncio, a sua história, a poética da sua humanidade. Que se pode concluir então? Que Deus, por exemplo, não bate a uma porta que nós não temos, mas está à nossa porta e bate; que Deus não está numa época passada ou futura simplesmente, mas Deus emerge no nosso presente histórico e é aí (é aqui!) que o encontro com Ele se torna para nós decisivo. 
Há um ensaio literário de uma grande autora americana, Susan Sontag, onde ela se levanta contra a interpretação, porque diz, “O mundo encheu-se de comentários, já só vivemos de coisas em segunda mão”. De facto, cada vez estamos mais distantes da fonte, do original, do acontecimento, porque vivemos na novela dos comentários e das interpretações. Há sempre mais uma interpretação que se sobrepõe, à maneira de cascas de cebola. Mas o que é a essência do (nosso) problema? O que é o núcleo fundamental? Isso como que nos escapa. E Sontag dizia que o que temos a fazer é ensinar a ver melhor, a ouvir melhor, a saborear melhor, a tocar melhor. No fundo, a exercitar melhor a nossa humanidade. Uma fé vivida aqui e agora é também uma fé que não se deixa capturar pelo labirinto epidérmico dos meros comentários,  mas arrisca-se a construir como uma aventura na ordem do ser.
José Tolentino Mendonça
In http://www.agencia.ecclesia.pt

Átrio dos Gentios: Gianfranco Ravasi e João Lobo Antunes

Está aberta a porta do diálogo e da partilha da vida.
Belo encontro onde se reconhece a unidade do desejo mais profundo de cada um.
O valor da vida e vida em valor não é mistério de alguns. É partilha da humanidade. Ousemos ouvir este momento do Átrio do Gentios.



sábado, 17 de novembro de 2012

Uma oração para católicos frustrados

Essa é a oração de James Martin, padre jesuíta e editor de cultura da revista semanal America, fundada em 1909 pelos jesuítas dos EUA. É formado em economia pela Wharton School of Business, da Universidade da Pensilvânia, em filosofia pela Universidade Loyola, de Chicago e em teologia pela Weston Jesuit School of Theology, de Cambridge, onde também fez seu mestrado e doutorado em Teologia.

A oração foi publicada no sítio da revista America, 13/08/2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Veja abaixo a oração em vídeo, rezada pelo próprio Pe. Martin, em inglês.

Eis o texto.

Querido Deus, às vezes eu fico muito frustrado com a tua Igreja.

Eu sei que não estou sozinho. Muitas pessoas que amam a tua Igreja se sentem frustradas com o corpo de Cristo na terra. Padres e diáconos, e irmãos e irmãs podem se sentir frustrados também. E eu aposto que até mesmo bispos e papas se sentem frustrados. Nós nos preocupamos, nos inquietamos, nos incomodamos, nos irritamos e às vezes nos escandalizamos porque a tua instituição divina, nossa casa, está repleta de seres humanos que são pecadores. Assim como eu.

Mas eu fico frustrado acima de tudo quando sinto que há coisas que precisam ser mudadas, e eu não tenho o poder para mudá-las.

Por isso, eu preciso da tua ajuda, Deus.

Ajuda-me a lembrar que Jesus prometeu que estaria conosco até o fim dos tempos e que a sua Igreja é sempre guiada pelo Espírito Santo, mesmo que para mim seja difícil ver. Às vezes, a mudança acontece de repente, e o Espírito nos surpreende, mas muitas vezes isso acontece lentamente na Igreja. No teu tempo, não no meu. Ajuda-me a saber que as sementes que eu planto com amor no solo da tua Igreja irão florescer um dia. Por isso, dá-me paciência.

Ajuda-me a entender que nunca existiu um momento em que não houve discussões ou disputas dentro da tua Igreja. Discussões remontam até Pedro e Paulo, que debatiam entre si. E nunca existiu um momento em que não houve pecado entre os membros da tua Igreja. Esse tipo de pecado remonta a Pedro, que negou Jesus durante a sua paixão. Por que a Igreja de hoje seria diferente do que era para as pessoas que conheceram Jesus na terra? Dá-me sabedoria.

Ajuda-me a confiar na Ressurreição. O Cristo ressuscitado nos lembra que sempre há a esperança de algo novo. A morte nunca é a última palavra para nós. Nem o desespero. E ajuda-me a lembrar que, quando o Cristo ressuscitado apareceu aos seus discípulos, ele suportou as feridas da sua crucificação. Como Cristo, a Igreja está sempre ferida, mas é sempre uma portadora de graça. Dá-me esperança.

Ajuda-me a acreditar que o teu Espírito pode fazer qualquer coisa: elevar santos quando nós mais precisamos deles, amolecer os corações quando eles parecem endurecidos, abrir as mentes quando elas parecem fechadas, inspirar confiança quando tudo parece perdido, nos ajudar a fazer o que parecia impossível até ser feito. Esse é o mesmo Espírito que converteu Paulo, que inspirou Agostinho, que chamou Francisco de Assis, que incentivou Catarina de Sena, que consolou Inácio de Loyola, que confortou Teresa de Lisieux, que animou João XXIII, que acompanhou Teresa de Calcutá, que fortaleceu Dorothy Day e que encorajou João Paulo. É o mesmo Espírito que está connosco hoje, e o teu Espírito não perdeu nada do seu poder. Dá-me fé.

Ajuda-me a lembrar de todos os seus santos. Muitos deles passaram por coisas muito piores do que eu. Eles ficaram frustrados com a tua Igreja às vezes, lutaram com ela e ocasionalmente foram perseguidos por ela. Joana D'Arc foi queimada na fogueira pelas autoridades eclesiásticas. Inácio de Loyola foi jogado na prisão pela Inquisição. Mary Mackillop foi excomungada. Se eles puderam confiar na tua Igreja em meio a essas dificuldades, eu também posso. Dá-me coragem.

Ajuda-me a ser pacífico quando as pessoas me dizem que eu não pertenço à Igreja, que eu sou um herege ao tentar fazer as coisas melhor, ou que eu não sou um bom católico. Eu sei que fui batizado. Tu me chamaste pelo nome para estar em tua Igreja, Deus. Enquanto eu respirar, ajuda-me a lembrar como as águas sagradas do batismo me acolheram em tua sagrada família de santos e pecadores. Que a voz que me chamou à tua Igreja seja o que eu ouço quando outras vozes me dizem que eu não sou bem-vindo na Igreja. Dá-me paz.

Acima de tudo, ajuda-me a colocar toda a minha esperança no teu Filho. Minha fé está em Jesus Cristo. Dá-me apenas o teu amor e a tua graça. Isso me basta.

Ajuda-me, Deus, e ajuda a tua Igreja. Amém.


In http://www.ihu.unisinos.br