Sendo a fé um dom, como
pode ser motivo de educação? Não pode realmente ser ensinada, mas sim
irradiada. Os que a possuem podem significar a estrela-guia, a
perseverança num encontro difícil de suceder, mas cuja esperança comove
todo o nosso ser. É possível que a Igreja se volte para esse apostolado
da fé que foi extremamente importante no seu começo. Não o velho sistema
de grupos sectários que são o modelo dos processos políticos e que,
quando se afirma um movimento e este toma amplitude, se eliminam.
Não é isso.Trata-se de focos de comunicação que dispensam a
organização premeditada e até a linguagem elaborada, o discurso piedoso e
a erudição duma exegese. Um interessar a alma na fé sem recorrer ao
preconceito da santidade. Descobrir a imensa novidade da fé num mundo em
que o próprio cristão vive de maneira pagã e singularmente a
coberto dos antigos textos que esqueceu ou que desconhece completamente.
A prova de que o cristão vive como um
bárbaro é o sentido que tomou a arte religiosa. Não é raro encontrar nas
salas de convívio burguesas, juntamente com a televisão, ou a mesa de
jogo, ou a instalação estereofónica para o gira-disco, um Cristo
crucificado sobre a lareira, ou uma Virgem dourada em cima da cómoda de
vinhático; ou objectos do culto, espalhados numa intenção decorativa,
quando não um quadrinho de ex-voto que se foi buscar a uma capela remota
ou à loja de um antiquário.
Não é fácil, para uma sociedade humana estreitamente ligada a uma
objectivação de Deus que o mostra com uma consciência semelhante à
nossa e que envolve todos os nossos articulados de vida, não é fácil,
repito, desprender-se duma espécie de Deus nacional e tribal; como de
resto a Bíblia o representa; como o criador dum mundo limitado em
comparação com o que conhecemos hoje. Um príncipe, promulgador de
decretos e que prometia como recompensa da obediência um lugar à sua
direita, como se prometia aos áulicos deste mundo.
Agustina Bessa-Luís, in “Contemplação Carinhosa da Angústia”
in http://www.patiodosgentios.com
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