No Dia Internacional da Mulher, recordamos
excertos de algumas das reflexões sobre santas da Idade Média e
Renascimento que o papa emérito Bento XVI proferiu nas audiências
gerais de quarta-feira realizadas em 2010 e 2011.
Santa Hildegarda de Bingen
As visões místicas de Hildegarda são ricas de
conteúdos teológicos. Referem-se aos eventos principais da história da
salvação e utilizam uma linguagem sobretudo poética e simbólica. Por
exemplo, na sua obra mais conhecida, denominada Scivias, isto é
«Conhece as vias», ela resume em trinta e cinco visões os
acontecimentos da história da salvação, desde a criação do mundo até ao
fim dos tempos. Com os traços característicos da sensibilidade
feminina, Hildegarda, exatamente na secção central da sua obra,
desenvolve o tema do matrimónio místico entre Deus e a humanidade,
realizado na Encarnação. No madeiro da Cruz realizam-se as núpcias do
Filho de Deus com a Igreja, sua esposa, cheia de graça e tornada capaz
de doar a Deus novos filhos, no amor do Espírito Santo (cf. Visio tertia: PL 197, 453c).
Já destes breves trechos vemos que também a
teologia pode receber uma contribuição peculiar das mulheres, porque
são capazes de falar de Deus e dos mistérios da fé com a sua singular
inteligência e sensibilidade. Portanto, encorajo todas aquelas que
desempenham este serviço a realizá-lo com profundo espírito eclesial,
alimentando a própria reflexão com a oração e olhando para a grande
riqueza, ainda em parte inexplorada, da tradição mística medieval,
sobretudo a representada por modelos luminosos, justamente como
Hildegarda de Bingen. (...)
Noutros escritos Hildegarda manifesta a
versatilidade de interesses e a vivacidade cultural dos mosteiros
femininos da Idade Média, contrariamente aos preconceitos que ainda
pesam sobre aquela época. Hildegarda ocupou-se de medicina e de
ciências naturais, inclusive de música, sendo dotada de talento
artístico. Compôs hinos, antífonas e cânticos, que foram reunidos sob o
título Symphonia Harmoniae Caelestium Revelationum (Sinfonia
da harmonia das revelações celestiais), que eram executados
jubilosamente nos seus mosteiros, difundindo uma atmosfera de
serenidade, e que chegaram até nós. Para ela, toda a criação é uma
sinfonia do Espírito Santo, que é alegria e júbilo em si mesmo.
A popularidade que circundava Hildegarda
impulsionava muitas pessoas a interpelá-la. Por este motivo, dispomos
de muitas suas cartas. A ela dirigiam-se comunidades monásticas
masculinas e femininas, bispos e abades. Muitas respostas permanecem
válidas inclusive para nós.
Por exemplo, a uma comunidade religiosa feminina Hildegarda escrevia: «A vida espiritual deve ser cuidada com muita dedicação. No início o trabalho é difícil. Pois exige a renúncia à fantasia, ao prazer da carne e a outras coisas semelhantes. Mas se se deixar fascinar pela santidade, uma alma santa sentirá dócil e amoroso o próprio desprezo do mundo. Só é preciso prestar atenção, inteligentemente, para que a alma não se avilte».
Por exemplo, a uma comunidade religiosa feminina Hildegarda escrevia: «A vida espiritual deve ser cuidada com muita dedicação. No início o trabalho é difícil. Pois exige a renúncia à fantasia, ao prazer da carne e a outras coisas semelhantes. Mas se se deixar fascinar pela santidade, uma alma santa sentirá dócil e amoroso o próprio desprezo do mundo. Só é preciso prestar atenção, inteligentemente, para que a alma não se avilte».
E quando o imperador Frederico Barba Roxa
provocou um cisma eclesial opondo três antipapas contra o Papa
legítimo Alexandre III, Hildegarda, inspirada pelas suas visões, não
hesitou em recordar-lhe que também ele, o imperador, estava sujeito ao
juízo de Deus. Com a audácia que caracteriza todos os profetas, ela
escreveu ao imperador estas palavras da parte de Deus: «Ai desta
conduta malvada dos ímpios que me desprezam! Escuta, ó rei, se quiseres
viver! Se não, a minha espada trespassar-te-á!». (...)
Invoquemos sempre o Espírito Santo, a fim de que suscite na Igreja mulheres santas e corajosas, como Santa Hildegarda de Bingen que, valorizando os dons recebidos de Deus, deem o seu contributo precioso e peculiar para o crescimento espiritual das nossas comunidades e da Igreja no nosso tempo.
Invoquemos sempre o Espírito Santo, a fim de que suscite na Igreja mulheres santas e corajosas, como Santa Hildegarda de Bingen que, valorizando os dons recebidos de Deus, deem o seu contributo precioso e peculiar para o crescimento espiritual das nossas comunidades e da Igreja no nosso tempo.
Clara de Assis
Uma das Santas mais amadas é, sem dúvida, Santa
Clara de Assis, que viveu no século XIII, contemporânea de São
Francisco. O seu testemunho mostra-nos como a Igreja inteira é devedora
a mulheres intrépidas e ricas de fé como ela, capazes de dar um
impulso decisivo para a renovação da Igreja. (...)
No convento de São Damião, Clara praticou de
maneira heroica as virtudes que deveriam distinguir cada cristão: a
humildade, o espírito de piedade e de penitência, a caridade. Não
obstante fosse a superiora, ela queria servir pessoalmente as irmãs
enfermas, sujeitando-se inclusive a tarefas extremamente humildes: com
efeito, a caridade ultrapassa qualquer resistência, e quem ama realiza
todo o sacrifício com alegria. A sua fé na presença real da Eucaristia
era tão grande que, por duas vezes, se verificou um acontecimento
milagroso. Só com a ostensão do Santíssimo Sacramento, ela afugentou os
soldados mercenários sarracenos, que estavam prestes a invadir o
convento de São Damião e a devastar a cidade de Assis.
Também estes episódios, assim como outros
milagres dos quais se conservava a memória, impeliram o Papa Alexandre
IV a canonizá-la apenas dois anos depois da sua morte, em 1255,
delineando um seu elogio na Bula de canonização, em que lemos: «Como é
vivo o poder desta luz e como é forte a resplandecência desta fonte
luminosa! Na realidade, esta luz mantinha-se fechada no escondimento da
vida claustral, enquanto fora irradiava clarões luminosos; recolhia-se
num mosteiro angusto, enquanto fora se difundia em toda a vastidão do
mundo. Conservava-se dentro e propagava-se fora. Com efeito, Clara
escondia-se, mas a sua vida era revelada a todos. Clara calava-se, mas a
sua fama clamava». E é precisamente assim, estimados amigos: são os
Santos que mudam o mundo para melhor, que o transformam de forma
duradoura, infundindo as energias que unicamente o amor inspirado pelo
Evangelho pode suscitar. Os Santos são os grandes benfeitores da
humanidade! (...)
Gratos a Deus que nos doa os Santos que falam ao
nosso coração e nos oferecem um exemplo de vida cristã a imitar,
gostaria de concluir com as mesmas palavras de bênção que Santa Clara
compôs para as suas irmãs de hábito e que ainda hoje as Clarissas,
desempenhando um papel precioso na Igreja com a sua oração e a sua
obra, conservam com grande devoção. São expressões em que sobressai
toda a ternura da sua maternidade espiritual: «Abençoo-vos na minha
vida e após a minha morte, como posso e mais do que posso, com todas as
bênçãos com as quais o Pai da misericórdia abençoou e há de abençoar no
céu e na terra os filhos e as filhas, e com as quais um pai e uma mãe
espiritual abençoaram e hão de abençoar os seus filhos e as suas filhas
espirituais. Amém!»
Santa Gertrudes
Santa Gertrudes, a Grande, de quem gostaria de
vos falar hoje, leva-nos esta semana ao mosteiro de Helfta, onde
nasceram algumas das obras-primas da literatura religiosa feminina
latino-alemã. É a este mundo que pertence Gertrudes, uma das místicas
mais famosas, única mulher da Alemanha que recebeu o apelativo
«Grande», pela estatura cultural e evangélica: com a sua vida e
pensamento, ela incidiu de modo singular sobre a espiritualidade cristã.
É uma mulher extraordinária, dotada de particulares talentos naturais e
de excecionais dons de graça, de humildade profundíssima e de zelo
ardente pela salvação do próximo, de íntima comunhão com Deus na
contemplação e de prontidão no socorro aos necessitados. (...)
Gertrudes é uma estudante extraordinária, aprende
tudo quanto se pode aprender das ciências do Trívio e do Quadrívio, a
formação daquela época; é fascinada pelo saber e dedica-se ao estudo
profano com fervor e tenacidade, alcançando êxitos escolares para além
de qualquer expectativa. Embora nada saibamos das suas origens, ela
diz-nos muito das suas paixões juvenis: a literatura, a música, o canto
e a arte da miniatura conquistam-na; tem uma índole forte, decidida,
imediata e impulsiva; diz com frequência que é negligente; reconhece os
seus defeitos e pede humildemente perdão pelos mesmos. Com humildade,
pede conselhos e orações pela sua conversão. Há características do seu
temperamento e defeitos que a acompanham até ao fim, a ponto de causar
admiração a certas pessoas que se interrogam como o Senhor a prefere
tanto. (...)
A sua biógrafa indica dois rumos daquela que poderíamos definir uma sua particular «conversão»: nos estudos, com a passagem radical dos estudos humanísticos profanos para os teológicos e, na observância monástica, com a passagem da vida que ela define negligente para a vida de oração intensa e mística, com um ardor missionário extraordinário. (...)
Parece-me óbvio que estas não são apenas coisas
do passado, históricas, mas a existência de Santa Gertrudes permanece
uma escola de vida cristã, de caminho reto, e mostra-nos que o centro
de uma vida feliz, de uma vida autêntica, é a amizade com Jesus, o
Senhor. E esta amizade aprende-se no amor pela Sagrada Escritura, no
amor pela liturgia, na fé profunda, no amor por Maria, de maneira a
conhecer cada vez mais realmente o próprio Deus e assim a verdadeira
felicidade, a meta da nossa vida.
Santa Isabel da Hungria
Hoje gostaria de vos falar de uma das mulheres da
Idade Média que suscitou maior admiração: trata-se de Santa Isabel da
Hungria, chamada também Isabel de Turíngia. (...)
Enquanto Ludovico [marido] aprendia a profissão
de cavaleiro, Isabel e as suas companheiras estudavam alemão, francês,
latim, música, literatura e bordado. Embora o noivado tenha sido
decidido por motivos políticos, entre os dois jovens nasceu um amor
sincero, animado pela fé e pelo desejo de cumprir a vontade de Deus.
Aos 18 anos, Ludovico, depois da morte do pai, começou a reinar na
Turíngia. Mas Isabel tornou-se objeto de murmúrios, porque o seu modo
de se comportar não correspondia à vida cortesã. Assim, também a
celebração do matrimónio não foi pomposa e as despesas para o banquete
foram parcialmente destinadas aos pobres. Na sua profunda
sensibilidade, Isabel via as contradições entre a fé professada e a
prática cristã. Não suportava os comprometimentos. Certa vez, ao entrar
na igreja na solenidade da Assunção, tirou a coroa, depô-la diante da
cruz e permaneceu prostrada no chão com o rosto coberto. Quando a sogra
a repreendeu por aquele gesto, ela retorquiu: «Como posso eu, criatura
miserável, continuar a trazer uma coroa de dignidade terrena, quando
vejo o meu Rei Jesus Cristo coroado de espinhos?». Do mesmo modo como
se comportava diante de Deus, também o fazia em relação aos súbditos.
Entre os Ditos das quatro servas encontramos este testemunho:
«Não consumia alimentos se antes não estivesse certa de que provinham
das propriedades e dos bens legítimos do marido. Enquanto se abstinha
dos bens conquistados ilicitamente, esforçava-se também por indemnizar
aqueles que tinham suportado violência» (nn. 25 e 37). Um verdadeiro
exemplo para todos aqueles que desempenham funções de guia: o exercício
da autoridade, a todos os níveis, deve ser vivido como serviço à
justiça e à caridade, na busca constante do bem comum.
Isabel praticava assiduamente as obras de
misericórdia: dava de beber e de comer a quem batia à sua porta,
oferecia roupas, pagava as dívidas, cuidava dos enfermos e enterrava os
mortos. Quando descia do seu castelo, ia muitas vezes com as suas
servas às casas dos pobres, levando pão, carne, farinha e outros
alimentos. Entregava pessoalmente a comida e controlava com atenção as
roupas e os leitos dos pobres. Este comportamento foi referido ao
marido, que não só não se lamentou, mas respondeu aos acusadores:
«Enquanto ela não vender o meu castelo, estou feliz!». É neste contexto
que se insere o milagre do pão transformado em rosas: quando Isabel ia
pelo caminho com o seu avental cheio de pão para os pobres, encontrou o
marido que lhe perguntou o que estava a levar. Ela abriu o avental e,
em vez de pão, apareceram rosas magníficas. Este símbolo de caridade
está presente muitas vezes nas representações de Santa Isabel.
O seu matrimónio foi profundamente feliz: Isabel
ajudava o cônjuge a elevar as suas qualidades humanas a nível
sobrenatural, e ele, em contrapartida, protegia a esposa na sua
generosidade aos pobres e nas suas práticas religiosas. Cada vez mais
admirado pela grande fé da sua esposa, Ludovico, referindo-se à sua
atenção aos pobres, disse-lhe: «Amada Isabel, foi Cristo que lavaste,
alimentaste e cuidaste». Um claro testemunho do modo como a fé e o amor
a Deus e ao próximo fortalecem a vida familiar e tornam ainda mais
profunda a união matrimonial. (...)
Isabel transcorreu os últimos três anos no
hospital por ela fundado, servindo os doentes e velando sobre os
moribundos. Procurava desempenhar sempre os serviços mais humildes e os
trabalhos mais repugnantes. Ela tornou-se aquela que poderíamos
definir uma mulher consagrada no meio do mundo (soror in saeculo)
e, com outras suas amigas vestidas de hábitos cinzentos, formou uma
comunidade religiosa. Não é por acaso que é Padroeira da Terceira Ordem
Regular de São Francisco e da Ordem Franciscana Secular. (...)
Estimados irmãos e irmãs, na figura de Santa
Isabel vemos como a fé e a amizade com Cristo criam o sentido da
justiça, da igualdade de todos, dos direitos dos outros, e criam o amor
e a caridade.
Santa Brígida da Suécia
Este primeiro período da vida de Brígida
ajuda-nos a apreciar aquela que hoje poderíamos definir uma autêntica
«espiritualidade conjugal»: juntos, os cônjuges cristãos podem
percorrer um caminho de santidade, sustentados pela graça do Sacramento
do Matrimónio. Não poucas vezes, precisamente como aconteceu na vida
de Santa Brígida e de Ulf, é a mulher que, com a sua sensibilidade
religiosa, com a delicadeza e a docilidade consegue levar o marido a
percorrer um caminho de fé. Penso com reconhecimento em muitas mulheres
que, dia após dia, ainda hoje iluminam as próprias famílias com o seu
testemunho de vida cristã. Possa o Espírito do Senhor suscitar também
nos dias de hoje a santidade dos cônjuges cristãos, para mostrar ao
mundo a beleza do matrimónio vivido segundo os valores do Evangelho: o
amor, a ternura, a ajuda recíproca, a fecundidade na geração e na
educação dos filhos, a abertura e a solidariedade para com o mundo e a
participação na vida da Igreja.
Quando Brígida ficou viúva, teve início o segundo período da sua vida. Renunciou
a outras bodas para aprofundar a união com o Senhor através da oração,
da penitência e das obras de caridade. Portanto, também as viúvas
cristãs podem encontrar nesta Santa um modelo a seguir. Com efeito,
após a morte do marido, Brígida distribuiu os seus próprios bens aos
pobres e, mesmo sem jamais aceder à consagração religiosa,
estabeleceu-se no mosteiro cisterciense de Alvastra. Ali tiveram início
as revelações divinas, que a acompanharam durante o resto da sua vida.
(...)
Em 1349, Brígida deixou para sempre a Suécia e
veio em peregrinação a Roma. Não só tencionava participar no Jubileu de
1350, mas também desejava obter do Papa a aprovação da Regra de uma
Ordem religiosa que ela queria fundar, intitulada ao Santo Salvador, e
composta por monges e monjas sob a autoridade da abadessa. Trata-se de
um elemento que não nos deve surpreender: na Idade Média existiam
fundações monásticas com um ramo masculino e outro feminino, mas com a
prática da mesma regra monástica, que previa a direção de uma abadessa.
Com efeito, na grande tradição cristã, à mulher são reconhecidos a
própria dignidade e — sempre a exemplo de Maria, Rainha dos Apóstolos —
o próprio lugar na Igreja que, sem coincidir com o sacerdócio
ordenado, é igualmente importante para o crescimento espiritual da
Comunidade. Além disso, a colaboração de consagrados e de consagradas,
sempre no respeito pela sua vocação específica, tem uma grande
importância no mundo contemporâneo.
Santa Catarina de Sena
Hoje gostaria de vos falar sobre uma mulher que
desempenhou um papel eminente na história da Igreja. Trata-se de Santa
Catarina de Sena. O século em que ela viveu — o décimo quarto — foi uma
época difícil para a vida da Igreja e de todo o tecido social, tanto
na Itália como na Europa. Todavia, mesmo nos momentos de maior
dificuldade, o Senhor não cessa de abençoar o seu Povo, suscitando
Santos e Santas que despertam as mentes e os corações, levando a
conversão e renovação. Catarina é uma delas, e ainda hoje nos fala e nos
leva a caminhar com coragem rumo à santidade para sermos, de modo cada
vez mais pleno, discípulos do Senhor. (...)
Quando a fama da sua santidade se difundiu, foi
protagonista de uma intensa atividade de conselho espiritual em relação
a todas as categorias de pessoas: nobres e homens políticos, artistas e
pessoas do povo, pessoas consagradas, eclesiásticos, inclusive o Papa
Gregório xi que nesse período residia em Avinhão e que Catarina exortou
enérgica e eficazmente a regressar a Roma. Viajou muito para solicitar
a reforma interior da Igreja e para favorecer a paz entre os Estados:
também por este motivo, o Venerável João Paulo II quis declará-la
co-Padroeira da Europa (...).
Em volta de uma personalidade tão vigorosa e
autêntica, foi-se constituindo uma verdadeira família espiritual.
Tratava-se de pessoas fascinadas pela respeitabilidade moral desta
jovem mulher de elevadíssimo nível de vida, e por vezes impressionadas
também pelos fenómenos místicos aos quais assistiam, como os frequentes
êxtases. Muitos se puseram ao seu serviço e sobretudo consideraram um
privilégio ser orientados espiritualmente por Catarina. Chamavam-lhe
«mãezinha», porque como filhos espirituais dela recebiam o alimento do
espírito.
Também hoje a Igreja recebe um grande benefício
do exercício da maternidade espiritual de numerosas mulheres,
consagradas e leigas, que alimentam nas almas o pensamento de Deus,
revigoram a fé das pessoas e orientam a vida cristã rumo a metas cada
vez mais elevadas. (...)
Santa Joana d’Arc
Hoje gostaria de vos falar de Joana d’Arc, uma
jovem santa do fim da Idade Média, morta com 19 anos em 1431. Esta
santa francesa, citada várias vezes no Catecismo da Igreja Católica, está
particularmente próxima de santa Catarina de Sena, padroeira da Itália
e da Europa, de quem falei numa catequese recente. Com efeito, são
duas jovens do povo, leigas e consagradas na virgindade; duas místicas
comprometidas, não no claustro, mas sim no meio das realidades mais
dramáticas da Igreja e do mundo da sua época. São, talvez, as figuras
mais características daquelas «mulheres fortes» que, no final da Idade
Média, propagaram sem medo a grande luz do Evangelho nas complexas
vicissitudes da história. (...)
Das suas próprias palavras sabemos que a vida
religiosa de Joana amadurece como experiência mística a partir da idade
de 13 anos. Através da «voz» do ancanjo são Miguel, Joana sente-se
chamada pelo Senhor a intensificar a sua vida cristã e também a
comprometer-se pessoalmente pela libertação do seu povo. A sua resposta
imediata, o seu «sim» é o voto de virgindade, com um novo compromisso
na vida sacramental e na oração: participação quotidiana na Missa,
Confissão e Comunhão frequentes, longos momentos de oração silenciosa
diante do Crucifixo ou da imagem de Nossa Senhora. A compaixão e o
compromisso da jovem camponesa francesa diante do sofrimento do seu
povo tornam-se mais intensos graças à sua relação mística com Deus. Um
dos aspetos mais originais da santidade desta jovem é precisamente este
vínculo entre experiência mística e missão política. Depois dos anos
de vida escondida e de amadurecimento interior segue-se o biénio breve,
mas intenso, da sua vida pública: um ano de ação e um ano de paixão.
No início do ano de 1429, Joana começa a sua obra
de libertação. Os numerosos testemunhos mostram-nos esta jovem de
apenas 17 anos como uma pessoa muito forte e determinada, capaz de
convencer homens inseguros e desanimados. Superando todos os
obstáculos, encontra o Delfim da França, o futuro Rei Carlos VII, que
em Poitiers a submete a um exame da parte de alguns teólogos da
Universidade. O seu juízo é positivo: nela não veem nada de mal, mas só
uma boa cristã. (...)
Queridos irmãos e irmãs, com o seu testemunho
luminoso, santa Joana d’Arc convida-nos a uma medida alta da vida
cristã: fazer da oração o fio condutor dos nossos dias; ter plena
confiança no cumprimento da vontade de Deus, qualquer que ela seja;
viver a caridade sem favoritismos, sem limites e, como ela, haurindo do
Amor de Jesus um profundo amor pela Igreja.
Santa Teresa de Ávila [de Jesus]
[Santa Teresa de Ávila] representa um dos vértices da espiritualidade cristã de todos os tempos. (...)
Não é fácil resumir em poucas palavras a profunda
e minuciosa espiritualidade teresiana. Gostaria de mencionar alguns
pontos essenciais. Em primeiro lugar, santa Teresa propõe as virtudes
evangélicas como base de toda a vida cristã e humana: em especial, o
desapego dos bens, ou pobreza evangélica, e isto diz respeito a todos
nós; o amor mútuo como elemento básico da vida comunitária e social; a
humildade como amor à verdade; a determinação como fruto da audácia
cristã; a esperança teologal, que descreve como sede de água viva. Sem
esquecer as virtudes humanas: a afabilidade, veracidade, modéstia,
cortesia, alegria e cultura. Em segundo lugar, santa Teresa propõe uma
profunda sintonia com as grandes figuras bíblicas e a escuta viva da
Palavra de Deus. Ela sente-se em sintonia sobretudo com a esposa do Cântico dos Cânticos e com o apóstolo Paulo, mas também com o Cristo da Paixão e com Jesus Eucarístico. (...)
Depois, a santa realça como a oração é essencial;
orar, diz, «significa frequentar com amizade, porque frequentamos face
a face Aquele que sabemos que nos ama» (Vida 8, 5). A ideia de santa Teresa coincide com a definição que s. Tomás de Aquino dá da caridade teologal, como «amicitia quaedam hominis ad Deum», um tipo de amizade do homem com Deus, que foi o primeiro a oferecer a sua amizade ao homem; a iniciativa vem de Deus (cf. Summa Theologiae II-II,
23, 1). A oração é vida e desenvolve-se gradualmente com o crescimento
da vida cristã: começa com a prece vocal, passa pela interiorização
mediante a meditação e o recolhimento, até chegar à união de amor com
Cristo e a Santíssima Trindade. (...)
Santa Teresa de Jesus é verdadeira mestra de vida
cristã para os fiéis de todos os tempos. Na nossa sociedade, muitas
vezes carente de valores espirituais, santa Teresa ensina-nos a ser
testemunhas indefesas de Deus, da sua presença e ação, ensina-nos a
sentir realmente esta sede de Deus que existe na profundidade do nosso
coração, este desejo de ver Deus, de O procurar, de dialogar com Ele e
de ser seu amigo. Esta é a amizade necessária para todos nós e que
devemos buscar de novo, dia após dia. O exemplo desta santa,
profundamente contemplativa e eficaz nas suas obras, leve-nos também a
nós a dedicar cada dia o justo tempo à oração, a esta abertura a Deus, a
este caminho para procurar Deus, para O ver, para encontrar a sua
amizade e assim a vida verdadeira; porque realmente muitos de nós
deveriam dizer: «Não vivo, não vivo realmente, porque não vivo a
essência da minha vida». Por isso, o tempo da oração não é perdido, é
tempo em que se abre o caminho da vida, para aprender de Deus um amor
ardente a Ele, à sua Igreja, e uma caridade concreta para com os nossos
irmãos.
© SNPC |
07.03.13
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