A Igreja Católica assinala no
próximo domingo, da Ascensão, o Dia Mundial das Comunicações Sociais.
Sobre o tema propomos alguns excertos da intervenção
que o papa Francisco proferiu em outubro de 2002 na capital argentina, quando
era cardeal e arcebispo de Buenos Aires. A conferência baseia-se na parábola
bíblica do Bom Samaritano (Lucas 10, 25-37).
Comunicador, quem é o teu próximo?
Card. Jorge Mario Bergoglio (papa Francisco)
Ao abordar a reflexão do tema que me foi
proposto, não posso, como cristão, deixar de referir-me inicialmente ao
Evangelho. Não só porque a pergunta «quem é o teu próximo?» está inspirada na
parábola do Bom Samaritano, mas - e principalmente - porque o Evangelho do
Senhor é precisamente comunicar uma boa notícia.
O evangelho como boa notícia
«Vão por todo o mundo e anunciem o Evangelho».
«Ensinem todos os homens a cumprir tudo o que vos mandei»: a lei da caridade. O
Evangelho é uma boa notícia que temos a missão de anunciar a todos e
"desde os telhados". E se aprofundamos mais, constatamos que os
critérios mais profundos do anúncio, também para os novos media, são os do
Evangelho. Por este motivo abordo o tema a partir desta perspetiva. Por outro
lado, o desafio apresentado pelos media, com as suas tecnologias, o seu alcance
global, a sua omnipresença e a sua influência sobre a sociedade e a cultura,
são um convite ao diálogo e à "inculturação do Evangelho" (...).
O poder dos media e dos comunicadores
A profissão de comunicador e a tecnologia dos
media permitem hoje chegar muito longe e muito dentro do coração humano, onde
as decisões importantes são tomadas. Isto deve-se ao poderoso potencial da
imagem para penetrar, tocar, motivar e afetar a nossa conduta. A imagem
(...) motiva as nossas opções e decisões. Organiza interiormente a
estrutura de significado e sentido da existência, gerando as forças operativas
que nos movem. À semelhança da Palavra criadora de Deus, os comunicadores
podem, só com a palavra, recriar ou criar uma imagem da realidade. E a
tecnologia atual globaliza e torna simultâneo o poder da palavra.
Por isso é tão fascinante e poderosa a ação e a
influência dos media na sociedade e na cultura. Podem ajudar a crescer ou
a desorientar. Podem recriar as coisas, informando-nos sobre a realidade
para ajudar-nos no discernimento de nossas opções e decisões, ou podem criar,
pelo contrário, simulações virtuais, ilusões, fantasias e ficções que também nos
conduzem a opções de vida.
Isto explica, em parte, a razão de tão grandes
investimentos no desenvolvimento de tecnologia para os media e para a produção
de imagens. Os media são hoje os principais instrumentos na criação da
cultura. Graças aos media os comunicadores chegam a enormes
audiências.
Gosto de caracterizar este poder dos media com o
conceito de proximidade. A sua força radica na capacidade de aproximar-se
e influenciar a vida das pessoas com uma mesma linguagem globalizada e
simultânea. A categoria de proximidade envolve uma tensão
bipolar: aproximar-se - afastar-se; e, na sua interioridade, também sofre
a tensão entre aproximar-se bem e aproximar-se mal. Na
concretização dos media há uma forma de aproximar-se bem e outra de
aproximar-se mal.
A parábola do Bom Samaritano
Tendo em conta estes pressupostos, entramos
plenamente no nosso tema com a pergunta: «Comunicador, que é o teu próximo?»,
que nos situa na esfera da parábola do Bom Samaritano. A pergunta que nos
fazemos é a que aquele escriba (comunicador) dirigiu a Jesus: «E quem é o meu
próximo?». Como que a dizer: o mandamento de amar é claro para todos; o
problema ocorre no concreto: quem é aquele que tenho de amar? Como se dá a
proximidade no uso dos media? A cada próximo individualmente, à totalidade dos
homens, dos grupos...? Pode divulgar-se simultaneamente uma mensagem
evangélica que não só seja altamente personalizada mas também
"global"? Como se ama através dos media?
A imagem do homem na estrada espancado
à beira do caminho
Embora a imagem de homem espancado pelos ladrões
que foi atirado para fora da estrada aponte o proceder evangélico - ético e
moral - é lícito transpor o que se diz do bem para o âmbito da verdade e
da beleza. Mais ainda: bem, verdade e beleza são inseparáveis quando nos
comunicamos: inseparáveis pela presença ou também pela ausência, e, neste
último caso, o bem não será bem, a verdade não será verdade nem a beleza será
beleza.
Atualmente há uma "maioria invisível"
de excluídos que estão à beira da estrada, espancados e roubados, ante os quais
passam os media. São mostrados, dão-lhes mensagens, fazem com que falem...
Entra aqui em jogo a proximidade, a maneira de aproximar-se. O modo de fazê-lo
determinará o respeito pela dignidade humana.
Aproximar-se bem, aproximar-se mal
desde o ponto de vista estético
Assim como a nível ético aproximar-se bem é
aproximar-se para ajudar e não para ferir, e no campo da verdade aproximar-se
bem implica transmitir informação verdadeira, a nível
estético aproximar-se bem é comunicar a integridade de uma realidade, de
forma harmoniosa e clara. Aproximar-se mal, pelo contrário, é aproximar-se
com uma estética desintegradora, que escamoteia alguns aspetos do problema ou
que os manipula, criando desarmonia e obscurecendo a realidade, denegrindo-a e
tornando-a feia.
Aproximar-se mal: com uma estética
desintegrando
Quando as imagens e as informações têm como único
objetivo induzir o consumo ou manipular as pessoas para aproveitar-se delas,
estamos diante de um assalto, de um golpe, de uma agressão. É a sensação
que se tem muitas vezes ante o bombardeamento de imagens sedutoras e imagens
sem esperança. Sentir-se bombardeado, invadido, chocado, impotente para
fazer algo positivo... são sentimentos equivalentes aos que se têm num assalto,
num ato de violência, num sequestro.
E precisamente por trás de uma estética
desintegradora que instala a desesperança de poder descobrir a verdade e de
poder fazer o bem em comum, é necessário saber discernir e desmascarar a
existência de interesses políticos e económicos de alguns setores que não
apontam para o bem comum.
Esta estética desintegradora opera em nós da
mesma maneira que a "lei" e a "liturgia" no coração
daqueles que passaram ao largo do homem ferido - o levita e o sacerdote. Eles
não viram a realidade de um próximo ferido, mas a "pseudorealidade"
de um "estranho", um "estranho" diante de quem convém
passar ao largo. Naquele tempo o que os afastou foram as suas
"ideias" da lei e do serviço cultual. Também hoje se corre o risco de
que alguns media instalem uma lei e uma liturgia que nos faça passar ao largo
do próximo concreto para buscar e servir outros interesses.
Aproximar-se bem: comunicar a beleza
da caridade na verdade
Aproximar-se bem implica comunicar a beleza da
caridade na verdade. Quando a verdade é dolorosa e o bem é difícil de
realizar, a beleza está nesse amor que compartilha a dor, com respeito e
dignidade. Contra todo o sensacionalismo há uma maneira digna de mostrar a
dor que resgata os valores e as reservas espirituais de um povo e ajuda a
superar o mal à força do bem, a trabalhar irmanados na vontade de superação, na
solidariedade, nessa proximidade que nos engrandece ao nos abrir à verdade e ao
bem.
Pelo contrário, «o confronto e a desqualificação
como sistema, inclusive mediante o uso irresponsável dos media, opõem-se à
convivência plural e madura», como disseram os bispos argentinos.
Comunicar o que se contemplou
Os primeiros anunciadores da Boa Nova de Jesus
Cristo, anunciaram em termos de contemplação e testemunho: «O que
vimos e ouvimos, o que tocámos com as nossas mãos, isso vos comunicamos para
que tenham vida».
Frente à infinidade de imagens que povoam o
mundo, só o exercício austero da contemplação do rosto de Cristo nos permite
espelhar com realismo a nossa condição ferida pelo pecado nos olhos
misericordiosos de Jesus, e descobrir no rosto do Senhor o rosto dos nossos
irmãos para nos fazermos mais próximos. Só o exercício austero da
contemplação do rosto de Cristo nos permite descobrir o mesmo rosto do Senhor
no outro para nos fazer próximos. Jesus é o rosto visível de Deus
invisível, e os excluídos e marginalizados de hoje são o rosto visível de
Jesus. A contemplação é que permite unir o paradoxo de tornar visíveis os
rostos invisíveis.
Aproximar-se bem também implica sempre
dar testemunho. Contra a aparente neutralidade dos media, só aquele
que comunica jogando a sua própria ética e dando testemunho da verdade é
confiável para nos aproximarmos bem da realidade. O testemunho pessoal do comunicador
está na própria base da sua confiabilidade.
Comunicar com sentido de
transcendência
«Os media povoam atualmente o mundo de imagens
que não são janelas para o Outro.» Aproximar-se bem é mostrar sempre essa
imagem aberta ao Outro, à transcendência, à esperança, como nos mostram as
imagens da Virgem e das catedrais. Aproximar-se bem é totalmente o oposto da
proposta frívola de alguns media que transmitem uma caricatura do homem. É
mostrar e realçar a sua dignidade, a grandeza de sua vocação, a beleza do amor que
compartilha a dor, o sentido do sacrifício e a alegria dos feitos alcançados.
Os media podem ser, lamentavelmente, espelho da
sociedade nos seus piores aspetos, ou nos frívolos e narcisistas. Mas também
podem ser janela aberta por onde flui, simples e animadoramente, a beleza do
formoso amor de Deus na maravilha das suas obras, na aceitação da sua
misericórdia e na solidariedade e justiça com o próximo.
Comunicar a beleza do amor que
compartilha a alegria e a dor
As imagens do azeite e do vinho com que na
parábola o bom samaritano comunica o seu amor ao ferido são muito eloquentes
para um comunicador. O que há a comunicar deve ser óleo perfumado para a
dor e vinho saboroso para e alegria. A beleza do amor é alegre sem
frivolidade. Pensamos na beleza de uma Madre Teresa (...), cuja luminosidade
não vem de qualquer maquilhagem nem de nenhum efeito especial, mas desse
resplendor que tem a caridade quando se desgasta no cuidado pelos mais
necessitados, ungindo-os com o óleo perfumado da sua ternura.
Só o samaritano goza a beleza da caridade e o
compromisso de amar e ser amado gratuitamente. Uma experiência que começa
por lhe comover as entranhas, por lhe enternecer o coração; por fazer-se
sensível à beleza e encanto de Deus no homem (a glória de Deus é o homem vivo);
a beleza e o desfrutar da paz e da comunhão do homem com Deus no serviço
humilde ao anónimo ferido, desconhecido... nas margens da cidade, do
mercado, da sociedade... na tempestade do caminho... É uma beleza
singular. É a beleza do Amor.
No Jesus da cruz, que não tem aparência nem
presença aos olhos do mundo e das câmaras de televisão, resplandece a beleza do
amor belo de Deus, que dá a sua vida por nós. É a beleza da caridade, a
beleza dos santos. Quando pensamos em alguém como Madre Teresa de Calcutá,
o nosso coração enche-se de uma beleza que não vem das características físicas
ou da estatura desta mulher, mas da beleza do esplendor da caridade com os
pobres e desfavorecidos que a acompanha.
Da mesma forma há uma beleza singular no trabalhador
que regressa a casa sujo e desarranjado, mas com a alegria de ter ganho o pão
dos seus filhos. Há uma beleza extraordinária na comunhão da família à
mesa e do pão partilhado com generosidade, mesmo que a mesa seja muito pobre.
Há beleza na esposa descomposta e quase anciã que continua a cuidar do seu
marido doente para além das suas forças e da sua própria saúde. Ainda que
tenha passado a primavera do enamoramento na juventude, há uma beleza
extraordinária na fidelidade dos casais que se amam no outono da vida, desses
velhinhos que andam de mãos dadas.
Há beleza, para além da aparência ou da estética
da moda, em cada homem e em cada mulher que vivem com amor a sua vocação
pessoal, no serviço desinteressado à comunidade, pela pátria; no trabalho
generoso pela felicidade da família... comprometidos no árduo trabalho anónimo
e desinteressado de restaurar a amizade social... Há beleza na criação, na
infinita ternura e misericórdia de Deus, no dom da vida ao serviço do
amor. Descobrir, mostrar e realçar essa beleza é alicerçar uma cultura da
solidariedade e da amizade social.
Comunicar com sentido do tempo: com
memória e esperança
O Papa [Bento XVI] fala-nos da cultura cristã
como uma das notícias dignas de lembrança (Dia Mundial das Comunicações
Sociais, 2000). Refundar hoje os vínculos sociais e a amizade social
implica, para o comunicador, resgatar das cinzas da reserva cultural e
espiritual do nosso povo a beleza da comunhão, da comunidade nacional, resgatar
e comunicar a memória e a beleza dos nossos heróis, dos nossos antepassados e
dos nossos santos.
Esta reserva cultural é o espaço da cultura, das
artes, espaço fecundo de onde a comunidade contempla e narra a sua história de
família, onde se reafirma o sentido de pertença a partir dos valores incarnados
e gravados na memória coletiva.
Estes espaços comunitários de ócio fecundo, quase
sagrado, são hoje muitas vezes ocupados pelos media com entretenimentos que nem
sempre geram verdadeira alegria e fruição. A comunicação meramente
pontual, carente de história, não tem noção do tempo e, portanto, não é
criadora de esperança. Pelo contrário, o comunicador, por vocação, é uma
testemunha confiável e qualificada da beleza do amor que se faz próximo, que se
faz capaz de assumir e continuar uma história.
Conclusão: um duplo desafio
Por um lado o comunicador cristão é desafiado,
pelo exercício de contemplação, a conhecer, sentir e saborear a beleza do amor
belo de Deus, vivo em Jesus Cristo morto e ressuscitado, a sua presença e ação
misericordiosa entre nós... Este encontro pessoal com Jesus Cristo é luz para
discernir a beleza dos valores face à imagem vazia de uma certa cosmologia
tecnológica.
A experiência da beleza do amor de Deus através
do encontro pessoal e comunitário com Jesus Cristo é o motor da criatividade
cristã para a comunicação da Boa Nova.
Por outro lado o desafio de compartilhar esta
beleza do amor de Deus com uma vocação tão específica, quando a revolução das
comunicações e a informação em plena transformação colocam a Igreja diante de
um caminho decisivo como é o de cruzar estes novos limiares culturais, que
requerem novas energias e imaginação para proclamar o único Evangelho de Jesus
Cristo, exige ao comunicador cristão muita formação e verdadeiro
profissionalismo para o uso competente da tecnologia e da linguagem dos media.
O outro bom samaritano
S. Maximiliano Maria Kolbe, mártir da caridade,
prisioneiro 16670 de Auschwitz, proposto por João Paulo II como patrono dos
jornalistas em todos os ramos das comunicações social devido ao uso que fez dos
media, soube aproximar-se dos feridos do campo de concentração. E ali,
onde também estavam os carcereiros e carrascos despojando e batendo, fez-se
próximo como o próprio Jesus, oferecendo sua vida em serviço por amor no lugar
de Francisco Gajowniczek condenado à morte...
Ele, como um modelo de todos os comunicadores,
faz-nos ver que a maneira mais competente de comunicar o Evangelho de Jesus
Cristo é a beleza do testemunho do compromisso com a verdade e a doação da vida
por amor.
© SNPC (trad.) | 08.05.13
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