quinta-feira, 2 de maio de 2013

Gerar na fé é uma tarefa cultural

Por que razão o tema do "gerar para a fé" pode ser definido como "uma batalha cultural"? Não bastaria enfrentar essa questão sobre o plano da pastoral e da organização da praxis eclesial concreta, em vista da nova evangelização? Não seria mais lógico pensar em termos de uma nova mistagogia e aprofundamento da idade mais ajustada para a celebração dos sacramentos de  iniciação cristã por parte dos nossos rapazes e das nossas raparigas?
Estabelecer a questão da geração na fé e para a fé sobre o plano diretamente cultural não pretende, obviamente, diminuir o valor dos outros percursos de reflexão igualmente urgentes. Pretende, contudo, chegar a um nível que é, de certa forma, o fundamento deles.

O problema real são os adultos
Qual é, então, o horizonte a que nos queremos referir quando falamos de batalha cultural relativamente à relação entre jovens e fé? Queremos explicitamente evidenciar a imposição de um novo sentimento de vida, que plasmou a existência das gerações menos jovens - dos adultos, para sermos precisos - rumo a uma cultura da juventude, que de facto e por paradoxo, a todos os níveis, humano e religioso, constitui um grande obstáculo para a existência dos jovens. Para dizê-lo numa penada, vivemos um tempo no qual os adultos gostam mais da ideia de juventude do que os próprios jovens. E nisto, os adultos tornam-se incapazes daquela experiência de gestação, humana e religiosa, de que são todavia os atores principais.
(...)
Os jovens, de quem os sociólogos sublinham a estranheza à fé, são filhos de adultos que deixaram de dar espaço à própria fé cristã: continuam a pedir os sacramentos da fé, mas sem fé nos sacramentos; levam os filhos à Igreja mas não levam a Igreja aos seus filhos; favorecem o ensinamento da religião mas reduzem a religião a uma simples questão escolástica. Pedem às suas crianças para rezarem e irem à missa mas muitas vezes nem a sua sombra se vê na Igreja. E, sobretudo, os mais novos não encontraram os pais na oração ou na leitura do evangelho.
Estes adultos impuseram uma divergência clara entre a educação para viver e a educação para crer, uma divergência que, mesmo que não negando diretamente Deus, avalizou descrença: "se Deus não é importante para o meu pai e para a minha mãe, não o pode ser para mim. Se o meu pai e a minha mãe não rezam, a fé não implica com a vida. Se não há lugar para Deus na existência no mundo - no sentimento de vida - do meu pai e da minha mãe, não existe realmente o problema do lugar de Deus na minha existência".
Foi assim interrompida a aliança entre paróquia e família: de um lado da balança fica o evangelho, a oração, a solidariedade...; do outro lado, o iogurte, a dieta, o ginásio, o estádio e o creme antienvelhecimento... Há muito tempo que nós, adultos, pedimos a felicidade apenas a estas coisas...

Reevangelizar a idade adulta
Sem adultos na fé não pode existir gestação da fé. O ponto problemático é precisamente o da liquidação da idade adulta, que é a verdadeira chave do universo cultural ocidental. Não nos faltam apenas adultos na fé. Faltam-nos adultos "tout court".
É por isso urgente que a comunidade crente concretize uma tarefa cultural precisa e importante: reevangelizar a idade adulta. Trata-se de restituir e de "reinstituir" dignidade e apetência à dimensão adulta da existência. Não podemos apreciar apenas a juventude e aquilo que farmacêutica e cirurgicamente se lhe assemelha. Temos necessidade absoluta de adultos: adultos enquanto pessoas reconciliadas com a verdade da vida e da vocação humana. Precisamos deles para o bem estar da sociedade e da Igreja. Mas é uma tarefa que realmente não é fácil.

Este texto integra o número 19 do "Observatório da Cultura" (abril 2013).
Armando Matteo, Assembleia plenária do Pontifício Conselho para a Cultura
Roma, 6-9.2.2013

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